A RENOVAÇÃO LITÚRGICA E OS DESAFIOS: A CRISTALIZAÇÃO DOS RITOS
Pe. Antonio Sagrado Logaz (Sacerdote Orionita, Doutor em Liturgia e Sacramentos e Professor de Teologia Litúrgica)
O Mensageiro de Santo Antonio. LII(8):21-22, Outubro de 2009
"O grande apelo do Concílio é que todo o povo de batizados seja consciente e ativo, para que as celebrações sejam realmente frutuosas."
Os rituais cristãos são o grande patrimônio da vida da Igreja e revelam a riqueza cultural e espiritual dos povos que assumiram a fé cristã. No entanto, temores de heresias e de divisões acabaram levando as autoridades eclesiais a limitar a renovação dos ritos, que traziam possibilidades de erros e superstições. Desse modo, houve uma cristalização dos ritos cristãos, sobretudo a partir do Concílio de Trento (1545-1563). Estes se tornaram estáveis por vários séculos, sem acolher os valores dos povos que se aproximaram da fé cristã, especialmente dos asiáticos, indígenas e africanos. Os ritos da tradição européia fixaram-se na tradição tridentina também para os evangelizadores do Brasil e das Américas. Por isso, foram preservados a língua latina, os movimentos e gestos, as músicas e os instrumentos da antiga tradição, sem inserir nos rituais os instrumentos, linguagem, símbolos e valores culturais dos novos povos.
Na verdade, não houve inserção dos valores culturais nas celebrações oficiais, pois a religiosidade popular assumiu muitos ritos e símbolos em suas práticas rituais. A chamada "cristalização dos rituais cristãos" dificultou a renovação litúrgica, que se tornou um grande apelo de toda a Igreja e, foi um dos aspectos mais destacados do Concílio Vaticano II.
A REFORMA PROPOSTA PELO CONCÍLIO VATICANO II
Quando os padres conciliares se reuniram no Concílio, a preocupação era a vida litúrgica da Igreja, que exigia renovação, pois o mundo passava por grandes transformações. A maioria das respostas às consultas se referia aos rituais sacramentais, expressando a urgência de renovação de suas práticas centenárias.
O primeiro documento do Concílio, a constituição Sacrosanctum Concilium, destaca a importância da vida litúrgica, respeitando as comunidades e sua subjetividade. De fato, a grande expressão referente às celebrações era a subjetividade, pedindo que se valorizassem as assembléias celebrantes, nas suas ações rituais.
A liturgia, assim, foi simplificada, desobstruindo os ritos que se haviam tornado incompreensíveis, restaurando o importante papel da assembléia e da palavra, introduzindo o vernáculo no lugar do latim.
O grande apelo do Concilio é que todo o povo de balizados seja consciente e ativo, para que as celebrações sejam realmente frutuosas. Portanto, os cantos devem refletir sua realidade; os ritmos devem surgir de sua musicalidade, e as músicas precisam refletir suas dores e alegrias. Além disso, a homilia deve estar ligada à vida do povo, seus desafios e seus sonhos e suas dificuldades.
Na Constituição Conciliar, os padres conciliares mostram que a Igreja não quer um único modelo ritual, mas deseja acolher costumes e culturas de outros povos. Assim descreve o documento: "Não é desejo de a Igreja impor, nem mesmo na liturgia, a não ser quando está em causa a fé e o bem de toda a comunidade, uma forma única e rígida, mas respeitar e procurar desenvolver as qualidades e dotes de espírito das várias raças e povos. A Igreja considera com benevolência tudo o que nos seus costumes não está indissoluvelmente ligado a superstições e erros, e, quando é possível, o mantém inalterável, por vezes chega a aceitá-lo na liturgia, quando se harmoniza com o verdadeiro e autêntico espírito litúrgico" (SC 37).
Esse é o espírito da renovação litúrgica da Igreja que permeia os rituais cristãos. A exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis, em 2007, observa que "a renovação operada nesses anos proporcionou sem dúvida notáveis progressos, mas não podemos ignorar que houve, às vezes, qualquer incompreensão precisamente acerca do sentido desta participação" (SC 52).
A RENOVAÇÃO LITÚRGICA EM NOSSA IGREJA
A renovação da vida litúrgica eclesial passa por duas etapas importantes. Existe uma renovação litúrgica mais abrangente, que diz respeito aos rituais em todos os continentes, e outra mais particular, que toca a Igreja latino-americana. Vamos entender esses dois momentos:
a) No que se refere à renovação litúrgica universal, esta compreende as mudanças que ocorreram na vida litúrgica no mundo inteiro. O Documento 43 da CNBB, denominado "Animação da Vida Litúrgica da Igreja" (1989), traça os passos dessa renovação, quando apresenta as mudanças ocorridas nas décadas de 1960 e 1970. Podemos destacar alguns pontos:
- uso do vernáculo (língua local) nas celebrações;
- sacerdote de frente para o povo, facilitando a interação entre o sacerdote e a comunidade;
- eliminação da duplicidade de ritos, que eram feitos em latim e português;
- simplificação dos ritos, sem muitas redundâncias nos movimentos;
- cantos mais populares com ritmos e instrumentos do próprio povo;
- tradução dos textos litúrgicos e alguma adaptação.
b) Quanto à renovação litúrgica na América Latina, esta se refere mais particularmente às realidades dos países latino-americanos, tendo em consideração a cultura de nossos povos. Destacamos alguns passos importantes:
- acolhida da dimensão social nos rituais;
- valorização da realidade dos povos carentes e suas lutas;
- incorporação das várias etnias, como negros, indígenas, caboclos, camponeses etc.;
- valorização dos ministérios dos leigos e das mulheres nas ações litúrgicas.
A renovação litúrgica na Igreja, especialmente na América Latina, foi muito fecunda. Apesar das dificuldades e dos limites, tal movimento teve a capacidade de renovar e inserir a liturgia na vida concreta dos povos, tornando-a mais libertadora e eficaz.
OS GRANDES DESAFIOS
Embora a renovação litúrgica tenha dado grandes passos e envolvido grandemente a assembléia nos rituais, alguns desafios permanecem.
Antes de tudo, para que a liturgia seja ativa e consciente, buscamos sempre maior participação. Não se trata apenas de participação exterior, que é necessária, mas da interação entre o ritual e o espírito dos fiéis. Não podemos considerar que somente cantorias, movimentos dinâmicos e gestos expansivos sejam suficientes para garantir a participação. Isso exige envolvimento espiritual da assembléia, bem como momentos de silêncio e comunhão em ocasião das leituras, súplicas e símbolos.
Os primeiros passos, após o Concílio Vaticano II, foram tímidos para a criatividade; depois houve grande variedade de ações litúrgicas criativas. Hoje buscamos maior equilíbrio na criatividade, para não confundir a criatividade com libertinagem no rito.
O maior desafio da renovação litúrgica está na inserção de seus símbolos e sua linguagem na vida urbana. Os tempos modernos exigem novas posturas dos celebrantes e reintegração da assembléia, sem escorregar para modelos imitativos de grupos religiosos que transformaram os seus cultos em festivais de cantorias. Nossa vida litúrgica exige interação com os "tempos modernos", mas não pode banalizar seus ritos. Deve, antes, cuidar da formação da comunidade, da inter- comunicação entre os fiéis e da profundidade nos momentos celebrativos.
E inegável que a dimensão emocional está presente na vida litúrgica, mas não deve ser integrada abusivamente, proporcionando alienação e fantasia espiritual.
CONCLUSÃO
Os tempos mudam e se renovam. Novas linguagens e novos valores culturais despontam com o passar dos tempos. A Igreja precisa integrar-se nos novos caminhos da humanidade, caso contrário permanecerá como um gueto nos porões da sociedade. De igual modo, a celebração da liturgia precisa assumir as novas formas de linguagem, integrando o perene mistério de nossa fé na realidade das comunidades.
O mistério da fé celebrado na Igreja descortina a grandeza de nossa vida e eleva o espírito de nosso povo. Devemos abrir nosso espírito para integrar a realidade social nos ritos; essa tarefa delicada e exigente permitirá que nossos rituais sejam sempre renovados e encarnados na realidade. A verdadeira renovação litúrgica promove a constante união da memória de Jesus Cristo com a história do povo. Renovar sempre é o grande ideal de uma Igreja que se encarna na vida das pessoas e celebra ativa e consciente-mente o mistério da fé em Jesus Ressuscitado, caminhando e sustentando seu povo!
A liturgia é o ápice, isto é, o ponto mais alto da vida cristã; para ela, devem convergir nossa evangelização e nossas atividades pastorais. Por isso, existe a pastoral litúrgica, cuja finalidade é cuidar para que os ritos litúrgicos sejam mais bem compreendidos, celebrados e vivenciados. Pelo lugar ocupado pela liturgia, é muito importante que os fiéis saibam aquilo que é celebrado e, assim, possam alimentar sua fé mediante a própria celebração. Isso se dá por meio de uma catequese sistemática: é papel da pastoral litúrgica oferecer subsídios nesse sentido.
Ao mesmo tempo, faz-se necessário que os animadores e as equipes de liturgia conheçam e preparem bem os ritos a ser realizados. Infelizmente há pessoas encarregadas das celebrações que se encontram somente minutos antes do início da celebração, deixando tudo para a improvisação. Só uma boa preparação pode fazer que o desempenho da equipe seja satisfatório. Ademais os próprios animadores necessitam de uma formação continuada e aprofundada!
Paz e Bem!
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